domingo, 7 de julho de 2013

Organização do trabalho pedagógico


PARA ORGANIZAR O TRABALHO PEDAGÓGICO

NO ENSINO FUNDAMENTAL

Rosaura Soligo

(...)

Podemos afirmar que as rotinas, ainda que tenham estruturas parecidas, são sempre diferentes: cada uma deve ter um ‘toque’ que evidencie as características do grupo específico para o qual foi elaborada e a história do trabalho realizado – uma história que é singular porque nunca se repete igualmente, por mais que se planeje o trabalho de modo semelhante.

O planejamento da rotina é algo a ser inventado periodicamente: uma invenção que depende da clareza do professor sobre os objetivos do ensino, sobre os critérios de seleção dos conteúdos, sobre as formas de trabalhar didaticamente com eles, sobre o conhecimento que têm (ou não) seus alunos. Uma rotina que é, ao mesmo tempo, um espaço de invenção pedagógica do professor e uma forma de organizar o tempo de aprender das crianças; ao contrário do que pode insinuar o sentido negativo da palavra (de ‘mesmice’), entendemos que rotina significa movimento, criação, produção de conhecimento.

Ao planejar suas rotinas, o professor percorre um caminho de elaboração teórica, de produção de teoria, da sua teoria sobre o próprio trabalho. Assim, o planejamento é recriado continuamente a partir de sua análise, de um processo de avaliação docente que indica até onde as propostas, as intervenções já realizadas estão atendendo aos objetivos e até mesmo se estes estão ou não adequados.

(...)

Outro aspecto importante a considerar é que a explicitação dos propósitos do trabalho para as crianças contribui para ‘engajá-las’ nas atividades, o que favorece o bom andamento das coisas e a otimização do tempo. Nesse sentido, a recomendação é:

• informar o que se pretende com as atividades, para que compreendam que as tarefas propostas

respondem a algum tipo de objetivo/necessidade;

• prepará-las antes de introduzir qualquer mudança ou novidade na rotina, não só em relação às propostas de atividade, mas também à organização do espaço, à utilização dos materiais, às formas de agrupamento, ao tipo de intervenção etc. – tudo o que não é familiar causa estranhamento e tende a produzir uma agitação que, embora natural, pode prejudicar de algum modo o andamento do trabalho se as crianças não souberem as razões;

• apresentar as atividades de maneira a incentivá-las a dar o melhor de si mesmas e a acreditar que sua contribuição é relevante para todos;

• criar um ambiente favorável à aprendizagem, bem como ao desenvolvimento de autoconceito positivo e da confiança em sua própria capacidade de enfrentar desafios (por exemplo, por meio de situações em que elas sejam incentivadas a se colocar, a fazer perguntas, a comentar o que aprenderam etc.).

Ainda sobre as propostas de atividade, uma última recomendação: elas devem ser o mais simples possível para a criança realizar e o menos trabalhosa possível para o professor preparar.

Propostas em que o professor precisa desenhar, fazer fichas e organizar muitos materiais alternativos e que as crianças precisam destacar, montar e gastar um tempo enorme para cumprir a tarefa, se puderem ser substituídas por alternativas mais simples, sem que haja prejuízo ao desafio colocado, devem ser simplificadas.
Planejamento
Para que uma atividade seja considerada de fato uma situação de aprendizagem é preciso que seja ‘ajustada’ às crianças para as quais ela se destina, é preciso que seja difícil e possível, que seja desafiadora. Como se vê, o que importa é a qualidade do desafio e não a quantidade de recursos e o tempo gasto com sua preparação.

Para organizar o trabalho pedagógico no Ensino Fundamental

Por trás do que se faz

Para compreender melhor a ‘rede invisível’ que há por trás das atividades escolares cotidianas, daquilo que é apresentado como proposta aos alunos, é importante tematizar um exemplo – e aqui a opção foi por um exemplo da área da linguagem (no caso, a proposta de trabalhar com diferentes gêneros textuais), pois em certa medida, inclui aspectos também de outras áreas.

A tendência que se consolidou nos últimos anos, seja na Educação Infantil ou no Ensino Fundamental, indica a necessidade inequívoca de trabalhar com os diferentes textos que circulam socialmente*.

A defesa do trabalho com a diversidade de gêneros textuais é justificada pela certeza de que é de responsabilidade da escola criar condições para que os alunos – sejam crianças, jovens ou adultos – desenvolvam progressivamente suas diferentes capacidades, entre elas utilizar diferentes linguagens como meio para expressar e comunicar ideias, interpretar e usufruir das produções da cultura e utilizar a língua para compreender e produzir mensagens orais e escritas, em contextos públicos e privados, atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação.

Esses objetivos amplos indicam os conteúdos a serem trabalhados: se, na escola, os alunos têm direito de aprender a utilizar diferentes linguagens em diferentes contextos, será então imprescindível desenvolver um intenso trabalho com a diversidade textual.

Isso implica levar em conta determinados critérios, ao selecionar os conteúdos: por exemplo, para favorecer o desenvolvimento da capacidade de uso proficiente da linguagem oral e escrita, objetivo principal do ensino da língua, é preciso trabalhar pedagogicamente com situações que demandem escutar, ler, falar e escrever. Portanto, escuta, leitura, fala e escrita são os conteúdos centrais durante toda a escolaridade.

Mas será preciso também abordá-los de forma coerente com esse mesmo objetivo, o que significa organizá-los e sequenciá-los segundo determinados pressupostos metodológicos.

Dessa perspectiva, o critério uso-reflexão-uso parece ser o mais adequado para a organização desses conteúdos – tradução, para as situações de trabalho com a linguagem, da sabedoria do professor Paulo Freire, que sempre defendeu o movimento metodológico de ação-reflexão-ação para as situações educativas. Assim, é possível tomar as possibilidades de utilizar a linguagem ao mesmo tempo como ponto de partida e como meta do trabalho pedagógico. E o critério para sequenciar o que se deseja ensinar implica considerar, ao mesmo tempo, o nível de conhecimento prévio dos alunos e o grau de complexidade do que a eles se apresenta como conteúdo.

Portanto, o tratamento didático das atividades de escuta, leitura, fala e escrita segundo esses pressupostos apoia-se na possibilidade de avaliar adequadamente o que sabem ou não as crianças; do contrário, não se poderá organizar e sequenciar situações de ensino que se pretendem ajustadas às suas potencialidades e necessidades de aprendizagem.lanejamento

Assim, a aparentemente simples proposta de trabalhar com a diversidade textual tem por trás uma série de propósitos e outros tantos desdobramentos como decorrência. Por exemplo, a depender do tipo de aprendizagem que se pretende favorecer, os conteúdos podem ser organizados em atividades permanentes, atividades sequenciadas, atividades de sistematização ou projetos.

Hoje fala-se muito na importância do trabalho com projetos, entre outras razões, porque eles possibilitam:

• tomar a criança como protagonista da própria aprendizagem;

• elaborar, conjuntamente com a turma, algumas propostas a serem desenvolvidas;

• experimentar, na prática, a construção coletiva de um empreendimento, o que tende a fortalecer o ‘espírito de grupo’;

• construir algumas certezas compartilhadas e discutir incertezas;

• contextualizar as propostas, o que é sempre uma vantagem pedagógica;

• aproximar a ‘versão escolar’ e a ‘versão social’ de práticas e conhecimentos tomados como conteúdos e planejar situações didáticas que se assemelham ao que acontece fora da escola;

• responder ao mesmo tempo a objetivos didáticos e a objetivos de realização do aluno, nem sempre coincidentes;

• trabalhar a favor de dois produtos ao mesmo tempo: o que é previamente definido por todos como tal e – o mais importante – o aprendizado decorrente do projeto.

Entretanto, projeto é apenas uma das formas possíveis de trabalhar didaticamente os conteúdos – a depender da natureza que eles têm e dos objetivos propostos, outras podem ser mais adequadas, conforme indica o quadro a seguir.
 
 
 
ATIVIDADES SEQUENCIADAS
ATIVIDADES PERMANENTES
PROJETOS
ATIVIDADES OCASIONAIS
O que são
São situações
didáticas articuladas,
que possuem uma
sequência de realização cujo principal critério é o nível de dificuldade –
há uma progressão de desafios que devem ser enfrentados pelos alunos para que construam um determinado
conhecimento.
São situações
didáticas propostas
com regularidade, cujo objetivo é constituir atitudes, desenvolver hábitos etc. Por exemplo: para ampliar o repertório de estratégias de cálculo
mental é preciso
participar sistematicamente de
situações em que esse conteúdo está em jogo.
São situações
didáticas que se
articulam em razão de
um objetivo (situaçãoproblema)
e de um produto final.
Contextualizam as
atividades e podem
ser interdisciplinares.
São situações em que algum conteúdo
significativo é trabalhado sem que
tenha relação direta
com o que está sendo desenvolvido nas outras atividades ou projetos, ou situações de sistematização de
algum conhecimento
estudado em outras
atividades ou projetos.
Características
Funcionam de forma
parecida com os
projetos e podem
integrá-los, mas o
produto final é apenas
uma sistematização /fechamento.
A marca principal
dessas situações é a
regularidade e, por
isso, possibilita
contato intenso com
um tipo de conteúdo /assunto.
Ter uma finalidade
compartilhada por
todos os envolvidos,
que se expressa na
realização de um
produto final, cuja construção desencadeou o projeto.
Tratam os conteúdos
significativos, ainda
que não façam parte
do currículo da série,
ou sistematizam
conhecimentos estudados.
Tempo
de
Duração
Variável.
Repetem-se de forma
sistemática e previsível – diária, semanal, quinzenal ou mensalmente.
Depende dos objetivos propostos – podem ser dias ou meses.
Quando de longa
duração, os projetos
permitem o planejamento de suas
etapas e a distribuição do tempo com os alunos.
Variável, mas
normalmente trata-se
de uma atividade
única.
 
 
 
Essas formas (ou modalidades) de organização dos conteúdos são defendidas por Delia Lerner.
Os objetivos didáticos representam capacidades a serem desenvolvidas pelos alunos, e os objetivos deles próprios relacionam-se a necessidades pessoais, quase sempre de realização imediata. Por exemplo, quando o professor lê diferentes textos para a classe todos os dias, cuidando da qualidade e da adequação ao interesse, certamente pretende que as crianças tenham contato com a diversidade textual, que se familiarizem com a linguagem, que se interessem pela leitura em função do que se pode ‘ganhar’ com ela, que compreendam algumas características dos diferentes gêneros... Para as crianças, entretanto, os objetivos já são de outra natureza: elas, com certeza, estarão muito mais interessadas nas novidades trazidas por essas leituras.
 
 
Material de sistematização produzido por Rosaura Soligo, Rosângela Veliago e Rosa Maria Antunes de Barros
 a partir das contribuições de Delia Lerner em É possível ler na escola?, do livro Ler e escrever na escola - o real, o possível e o necessário (Artmed, 2 Estas propostas foram adaptadas a partir das sugestões contidas em Ensino Fundamental de 9 anos - Orientações para a inclusão de crianças de seis anos de idade (Brasília: MEC/SEB, 2006).
 
 
Rosaura Soligo (Brasil)
Formada em Pedagogia e Psicologia, Mestre em Educação pela UNICAMP, atualmente professora
de cursos de especialização para professores alfabetizadores e coordenadora de projetos do
Instituto Abaporu de Educação e Cultura, com trabalhos de assessoria a Secretarias de Educação
em vários municípios do país. Experiência com alfabetização de crianças, formação continuada,
documentação da prática profissional, produção de material pedagógico e vídeos educativos.
Membro da equipe de idealizadoras do PROFA (Programa de Formação de Professores
Alfabetizadores) e de sua equipe de coordenação nacional. Pesquisadora colaboradora do Grupo
de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada (GEPEC), na Faculdade de Educação da
UNICAMP. Co-organizadora do livro ‘Porque escrever é fazer história’ (Ed. Alínea, 2007) junto com
o Prof. Dr. Guilherme do Val Toledo Prado, e autora de vários artigos na área da educação.
 
 


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