PLANEJAR PARA ENSINAR
Rosaura Soligo
O
planejamento ainda não tem ocupado o lugar que merece na prática de muitos
professores e, infelizmente, não são raras as reações negativas diante da
necessidade de planejar, talvez pelo fato de, em geral, estar associada a uma
exigência burocrática. Mas, na verdade, a razão de ser do planejamento é
orientar o ensino (e, consequentemente, favorecer a aprendizagem), portanto, a
sua principal finalidade é didática.
O
ato de planejar é fundamental porque permite:
ter maior clareza de quais são as metas do trabalho
pedagógico, ou seja, o que se pretende que os alunos saibam ao final de um
período, que pode ser uma semana, um dia, um mês, um ano...; pensar com
antecedência as ações que se julgam necessárias para o alcance dos resultados
desejados e sequenciá-las considerando os diferentes níveis de desafios
colocados aos alunos; avaliar o trabalho realizado, não apenas em relação aos
resultados, mas também em relação às ações desenvolvidas ao longo do processo,
o que pode contribuir para redirecioná-las (se o propósito for ajustar as
propostas considerando as necessidades e possibilidades de aprendizagem dos
alunos); verificar a coerência entre o que se pretende alcançar com os alunos e
o que realmente acontece na sala de aula – isto é, entre o que se deseja obter
em termos de resultado e o que efetivamente se faz para tanto.
Desse ponto de vista, a situação de planejamento do
trabalho pedagógico é uma situação de formação dos professores, das mais
importantes, porque exige a ampliação do conhecimento sobre a razão das propostas,
a busca das condições mais adequadas para alcançar os objetivos, a antecipação
das ações a serem desenvolvidas e a avaliação do trabalho realizado (só para
citar alguns aspectos).
Um processo de planejamento que se pretende adequado
precisa contemplar, de algum modo, quatro dimensões: a recorrência dos
conteúdos, a diversidade e a provisoriedade das propostas e o coletivo como
instância privilegiada de discussão e construção do próprio planejamento.
A recorrência dos conteúdos tem a ver com a
conquista dos objetivos propostos, pois sabemos que os objetivos não são
alcançados todos em um só tempo e de forma igual para todos os alunos.
Portanto, é preciso que os conteúdos – necessários para o desenvolvimento das
capacidades tomadas como objetivos - estejam distribuídos no tempo de modo a,
sempre que necessário, serem retomados e abordados em outros níveis de
complexidade, em diferentes momentos durante o mesmo ano e/ou em diferentes
anos de escolaridade.
A diversidade relaciona-se com a
heterogeneidade dos alunos em uma mesma turma e entre as turmas. Muitas vezes,
em uma mesma faixa etária verificam-se conhecimentos, experiências e atitudes
bem diferentes em relação a um determinado conteúdo, o que exige do professor
encaminhamentos diferenciados.
A provisoriedade refere-se à necessidade de
reajustar o planejamento, de reformulá-lo à medida que, ao ser posto em
prática, o professor consiga observar outros aspectos não considerados
anteriormente.
E o coletivo,
como instância de discussão e construção do planejamento, expressa a convicção
de que os resultados alcançados coletivamente, em um grupo de fato
colaborativo, são muito superiores aos que cada profissional obtém sozinho.
Portanto, nesse sentido, o trabalho coletivo é fundamental porque é uma contribuição
não só para os próprios professores, que têm a chance de potencializar os
conhecimentos uns dos outros, mas também para os alunos, que, mesmo de modo
indireto, são beneficiados duplamente. Primeiro, porque assim contarão com
professores mais bem preparados, o que é sempre um ganho para todos. E, depois,
porque quando os professores têm uma experiência pessoal positiva de trabalho
em colaboração, tendem a propor o mesmo para seus alunos e, a despeito das
dificuldades iniciais, a insistir para que aprendam a trabalhar juntos de modo
produtivo. Em geral, a discussão sobre a importância do planejamento e a
insistência para que se planeje o trabalho pedagógico ocorrem muito mais no
início do ano, porém essa deve ser uma prática contínua, assim como a
avaliação, pois a qualidade do ensino e da aprendizagem dos alunos depende
desses dois processos.
O
desafio é avaliar para planejar e planejar para intervir: portanto, embora nem
sempre se compreendam as coisas desta maneira, a avaliação é sempre o ponto de
partida para o planejamento contínuo de uma prática pedagógica que se pretende
ajustada às necessidades e possibilidades de aprendizagem dos alunos. E não há
prática pedagógica de qualidade quando não se considera o que podem os alunos e
quando não se responde ao que eles precisam do ponto de vista da aprendizagem –
são eles, afinal, os sujeitos a quem se destina a educação escolar. Isso
significa que uma intervenção adequada (ou seja, uma ação ajustada a
possibilidades e necessidades) só pode acontecer como resultado de um
planejamento inteiramente apoiado na avaliação do que sabem ou não os alunos.
Esse
processo pressupõe níveis diferenciados de planejamento, que aqui estão
abordados em quatro tipos: anual, periódico, quinzenal ou semanal (da rotina) e
diário.
Planejamento
anual
É
aquele em que são decididos os objetivos e conteúdos da série ou ciclo em cada
área de conhecimento / componente curricular, assim como as formas de avaliação
e acompanhamento pedagógico dos alunos durante o ano. É um trabalho que requer
a discussão coletiva dos professores de forma a garantir o trabalho articulado
na escola.
Planejamento
periódico
Acontece
durante o processo de trabalho, em períodos mais curtos do que o ano letivo
(semestres, trimestres, bimestres). É nessa instância que habitualmente são
detalhados os projetos e as sequências de atividades que darão sustentação ao
trabalho pedagógico, compatibilizando as propostas previstas no planejamento
anual e as que se mostram fundamentais a partir da avaliação das necessidades
específicas de aprendizagem do grupo de alunos.
Planejamento
da rotina
Também
chamado de „organização do tempo pedagógico‟, esse tipo de planejamento, que
pode ser quinzenal ou semanal, é destinado a detalhar ainda mais as propostas,
considerando: a organização do espaço, a formação dos agrupamentos de alunos, a
distribuição das atividades a serem realizadas durante o período, o material
necessário para desenvolvê-las, a melhor forma de dar as orientações para
realização das tarefas etc. A rotina pode ser parcialmente organizada em
conjunto com os demais professores do mesmo ano/série, mas há uma parte que
cabe ao professor que vai efetivamente trabalhar com sua turma.
Planejamento
diário
Esse
é o momento de detalhar o que ainda for necessário para a aula do dia. Ainda
que seja de responsabilidade de cada professor, é fundamental que a escola
garanta momentos de discussão dos alcances e limites do que é proposto e obtido
em cada turma específica: a oportunidade de avaliar coletivamente o andamento
do trabalho de cada um favorece a troca de informações e de experiências
constituindo-se, assim, num importante espaço de construção do conhecimento
pedagógico de todos.
O planejamento, como se pode ver,
deve ser muito bem cuidado, mas deve ter um caráter flexível também. Tal como
nos ensina Carlos Matus1 (1997), “planejar não deve se confundir com a
definição normativa do deve ser, mas englobar o pode ser e a vontade
de fazer”. Então, por que tanta ênfase na necessidade de planejamento se no
final das contas é preciso flexibilizá-lo? Porque a ação pedagógica só é
verdadeiramente pedagógica se for „ajustada‟ aos alunos reais a que se destina:
às suas possibilidades e necessidades de aprendizagem, às suas hipóteses sobre
os conteúdos, às suas estratégias pessoais para resolver os problemas colocados
pelas atividades e daí por diante. É certo que o trabalho com os alunos deve
sempre se orientar pelos objetivos estabelecidos anteriormente, para que se
possam selecionar os conteúdos e as formas mais pertinentes para abordá-los,
mas é certo também que a clareza a respeito desses objetivos (ou seja, das
capacidades que se pretendem desenvolver) é o que torna possível reorientar o
trabalho a partir da avaliação do que os alunos podem e precisam aprender. Os
professores sempre dizem – e é verdade – que o tempo que as crianças passam na
escola é muito curto para tudo o que se deve ensinar. Por isso, é
importantíssimo utilizá-lo da melhor maneira possível, para que elas se ocupem
com situações significativas, que favoreçam de fato a aprendizagem, e não com
atividades que nada acrescentam por serem fáceis demais ou estão acima do que
podem realizar. O uso racional do tempo é uma competência profissional da maior
importância para os professores. Uma competência que começa de questionamentos
básicos, mas necessários: Como são organizadas as horas que os alunos
permanecem na escola? O que é possível aprender durante esse tempo (800 horas
por ano, considerando um período de quatro horas por dia)? Como dar conta dos
conteúdos previstos para o ano? Como organizar a prática pedagógica de forma a
cumprir o planejamento e, ao mesmo tempo, atender às demandas dos alunos?
Assim, o tempo dedicado a
cada componente curricular deve ser definido de forma muito criteriosa: é
preciso garantir o trabalho com todas as áreas de conhecimento, considerar a
natureza das propostas e distribuir o tempo de maneira justa. Às vezes, será
necessário que as atividades sejam curtas para que os alunos não fiquem
entediados e, às vezes, será necessário que se prolonguem porque demandam um tempo
maior para a realização do que é solicitado. Essa dosagem tem a ver com o tipo
de proposta, mas também com a capacidade de observação do professor: quando as
crianças estão dispersas ou inquietas, geralmente é hora de parar...
A seguir, um exemplo de rotina para uma das semanas iniciais de
aula em uma classe de 1º ano do Ciclo Inicial, como ilustração. O tempo
destinado a todos os componentes curriculares está indicado, mas apenas as
atividades de Língua Portuguesa e Matemática foram especificadas.
ROTINA SEMANAL
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SEGUNDA-FEIRA
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TERÇA-FEIRA
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QUARTA-FEIRA
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QUINTA-FEIRA
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SEXTA-FEIRA
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LÍNGUA
PORTUGUESA
Atividade
permanente: Leitura de um conto pelo professor
Atividade
permanente semanal: Roda de conversa
Sequência
de atividades: ‘Confabulando’ Atividade permanente de alfabetização:
Leitura de uma lista para encontrar respostas para uma cruzadinha
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LÍNGUA
PORTUGUESA
Atividade
permanente: Leitura de um poema pelo professor
Atividade
permanente de alfabetização:
Leitura de texto poético (que as crianças conhecem o conteúdo de cor)
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LÍNGUA
PORTUGUESA
Atividade
permanente: Leitura de uma notícia pelo professor
Atividade
permanente de alfabetização:
Escrita de uma lista de brincadeiras preferidas
Projeto:
Atividade relacionada a um projeto em andamento (por exemplo: discussão de
como se organizam os textos de um determinado gênero predominante no projeto)
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LÍNGUA
PORTUGUESA
Atividade
permanente: Leitura de uma fábula pelo professor
Atividade
permanente de alfabetização:
Leitura de adivinhas (‘O que é, o que é?’) e/ou de respostas
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LÍNGUA
PORTUGUESA
Atividade
permanente: Leitura de um texto informativo (sobre um assunto estudado)
pelo professor Atividade permanente semanal: Roda de leitura
Atividade
permanente de alfabetização:
Escrita de títulos de histórias conhecidas
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ARTE
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MATEMÁTICA
Sequência
de atividades: Os números nas cantigas e brincadeiras infantis
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MATEMÁTICA
Atividade
permanente: Contagens de objetos de uma coleção e rodas de recitação
numérica (contagens e sobre contagens)
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MATEMÁTICA
Sequência
de atividades: ‘Para que servem os números?’
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EDUCAÇÃO
FÍSICA
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MATEMÁTICA
Projeto:
‘Os números da minha vida’ – Construção de fichas de dados pessoais, pequenas
agendas de aniversários de parentes e amigos, telefones etc.
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CIÊNCIAS/GEOGRAFIA
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HISTÓRIA
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MATEMÁTICA
Atividade
permanente: Contagens de objetos de uma coleção e rodas de recitação
numérica (contagens e sobre contagens)
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CIÊNCIAS/GEOGRAFIA
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EDUCAÇÃO
FÍSICA
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HISTÓRIA
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ARTE
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MATEMÁTICA
equência
de atividades: localização no espaço da escola e representações
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Antes de você continuar a leitura, gostaria de fazer um breve comentário sobre a organização exemplificada acima pela professora Rosaura Soligo. É importante que você não considere esta organização como uma "receita". Ela é um recorte de uma semana, de uma escola, com uma rotina que não conhecemos. O exemplo é válido, mas queremos que você reflita sobre um planejamento de forma mais ampla. Por exemplo, nesta faixa etária de seis anos, é importante que as atividades diversificadas, assim como, a roda inicial de conversa para detalhamento da rotina, ou a roda de leitura de histórias, ocorram de maneira sistemática e diária. O que pode acontecer, como no exemplo acima, é determinar que, uma vez por semana, a roda de conversa seja específica para leitura de notícias, ou para comentar um outro assunto combinado por você professor, previamente com seus alunos. Mas para que a criança se familiarize com a rotina, com a conversa, com procedimentos como esperar sua vez para colocar uma ideia, ou ouvir o que seu colega tem a dizer, a roda de conversa precisa ser proposta diariamente.
Outro aspecto muito importante que preciso ressaltar, e que a autora também menciona em seu texto "Para organizar o trabalho do Ensino Fundamental", é o de que não estamos sugerindo uma ordem de acontecimentos.
Você professor que conhece sua escola, a rotina estabelecida e seu grupo de alunos, é que vai determinar tal organização: como os alunos chegam... com sono, ou bem dispostos? Como voltam do parque? Então, qual será o momento mais adequado para a realização da roda de conversa para rotina e combinados do dia? E para a realização dos "cantos" de atividades diversificadas? E a leitura de histórias: é melhor que ocorra depois do parque, ou próxima ao horário de saída? Enfim, perceba que o planejamento de sua rotina deve ser algo móvel, flexível e de acordo com a realidade vivenciada por você, seus colegas e seus alunos.
Por último, considere que, na organização acima não foram discriminados horários de lanche e parque (que também são diários).
Um abraço, Professora Denise Tonello
Esse é apenas um exemplo para dar uma ideia de como é
possível distribuir as atividades na semana de trabalho. Há outras
possibilidades de leitura do professor para as crianças, por exemplo: às vezes,
é mais interessante ler um livro em capítulos ou um mesmo gênero textual
durante toda a semana, por conta de outros objetivos que se tenham ou de
determinados projetos que estejam em andamento. Outro aspecto importante a
considerar é que, sendo esse tipo de rotina apropriado para o início do ano
letivo de um 1º ano, as atividades permanentes de alfabetização têm a
finalidade de familiarizar as crianças com os tipos de procedimento necessários
para realizar as tarefas propostas, que são de „ler sem saber ler‟ e de „escrever
sem saber escrever‟. Como se pode ver, se não houver um planejamento criterioso
do tempo, com certeza a sensação será sempre de que „o dia não rendeu‟, pois
são muitas coisas a fazer e, infelizmente, em nosso país, as crianças ainda
permanecem poucas horas na escola... Na verdade, a organização do tempo é
necessária para a aprendizagem não só dos alunos, mas também dos professores,
em especial no que se refere à gestão de sala de aula. Essa é uma aprendizagem
constante, pois a cada nova turma, novos desafios são colocados – o que se
aprende sobre gestão de sala de aula em um ano nem sempre é transferível para o
outro, pois cada turma é uma turma. Da mesma forma que não há como desenvolver
um mesmo plano de ensino ano após ano, não é possível organizar rotinas de
trabalho que sejam idênticas para todas as turmas. Nesse sentido, podemos
afirmar que as rotinas, ainda que tenham estruturas parecidas, são sempre
diferentes: cada uma deve ter um „toque‟ que evidencie as características do
grupo específico para o qual foi elaborada e a história do trabalho realizado –
uma história que é singular porque nunca se repete igualmente, por mais que se
planeje o trabalho de modo semelhante. (...)
Rosaura Soligo (Brasil)
Formada em Pedagogia e Psicologia, Mestre em Educação pela UNICAMP, atualmente professora de cursos de especialização para professores alfabetizadores e coordenadora de projetos do Instituto Abaporu de Educação e Cultura, com trabalhos de assessoria a Secretarias de Educação em vários municípios do país. Experiência com alfabetização de crianças, formação continuada, documentação da prática profissional, produção de material pedagógico e vídeos educativos. Membro da equipe de idealizadoras do PROFA (Programa de Formação de Professores Alfabetizadores) e de sua equipe de coordenação nacional. Pesquisadora colaboradora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada (GEPEC), na Faculdade de Educação da UNICAMP. Co-organizadora do livro „Porque escrever é fazer história‟ (Ed. Alínea, 2007) junto com o Prof. Dr. Guilherme do Val Toledo Prado, e autora de vários artigos na área da educação.
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