segunda-feira, 1 de julho de 2013

Planejamento

 
 
PLANEJAR PARA ENSINAR
Rosaura Soligo
 
O planejamento ainda não tem ocupado o lugar que merece na prática de muitos professores e, infelizmente, não são raras as reações negativas diante da necessidade de planejar, talvez pelo fato de, em geral, estar associada a uma exigência burocrática. Mas, na verdade, a razão de ser do planejamento é orientar o ensino (e, consequentemente, favorecer a aprendizagem), portanto, a sua principal finalidade é didática.
 
O ato de planejar é fundamental porque permite:
ter maior clareza de quais são as metas do trabalho pedagógico, ou seja, o que se pretende que os alunos saibam ao final de um período, que pode ser uma semana, um dia, um mês, um ano...; pensar com antecedência as ações que se julgam necessárias para o alcance dos resultados desejados e sequenciá-las considerando os diferentes níveis de desafios colocados aos alunos; avaliar o trabalho realizado, não apenas em relação aos resultados, mas também em relação às ações desenvolvidas ao longo do processo, o que pode contribuir para redirecioná-las (se o propósito for ajustar as propostas considerando as necessidades e possibilidades de aprendizagem dos alunos); verificar a coerência entre o que se pretende alcançar com os alunos e o que realmente acontece na sala de aula – isto é, entre o que se deseja obter em termos de resultado e o que efetivamente se faz para tanto.
Desse ponto de vista, a situação de planejamento do trabalho pedagógico é uma situação de formação dos professores, das mais importantes, porque exige a ampliação do conhecimento sobre a razão das propostas, a busca das condições mais adequadas para alcançar os objetivos, a antecipação das ações a serem desenvolvidas e a avaliação do trabalho realizado (só para citar alguns aspectos).
Um processo de planejamento que se pretende adequado precisa contemplar, de algum modo, quatro dimensões: a recorrência dos conteúdos, a diversidade e a provisoriedade das propostas e o coletivo como instância privilegiada de discussão e construção do próprio planejamento.
A recorrência dos conteúdos tem a ver com a conquista dos objetivos propostos, pois sabemos que os objetivos não são alcançados todos em um só tempo e de forma igual para todos os alunos. Portanto, é preciso que os conteúdos – necessários para o desenvolvimento das capacidades tomadas como objetivos - estejam distribuídos no tempo de modo a, sempre que necessário, serem retomados e abordados em outros níveis de complexidade, em diferentes momentos durante o mesmo ano e/ou em diferentes anos de escolaridade.
A diversidade relaciona-se com a heterogeneidade dos alunos em uma mesma turma e entre as turmas. Muitas vezes, em uma mesma faixa etária verificam-se conhecimentos, experiências e atitudes bem diferentes em relação a um determinado conteúdo, o que exige do professor encaminhamentos diferenciados.
A provisoriedade refere-se à necessidade de reajustar o planejamento, de reformulá-lo à medida que, ao ser posto em prática, o professor consiga observar outros aspectos não considerados anteriormente.
E o coletivo, como instância de discussão e construção do planejamento, expressa a convicção de que os resultados alcançados coletivamente, em um grupo de fato colaborativo, são muito superiores aos que cada profissional obtém sozinho. Portanto, nesse sentido, o trabalho coletivo é fundamental porque é uma contribuição não só para os próprios professores, que têm a chance de potencializar os conhecimentos uns dos outros, mas também para os alunos, que, mesmo de modo indireto, são beneficiados duplamente. Primeiro, porque assim contarão com professores mais bem preparados, o que é sempre um ganho para todos. E, depois, porque quando os professores têm uma experiência pessoal positiva de trabalho em colaboração, tendem a propor o mesmo para seus alunos e, a despeito das dificuldades iniciais, a insistir para que aprendam a trabalhar juntos de modo produtivo. Em geral, a discussão sobre a importância do planejamento e a insistência para que se planeje o trabalho pedagógico ocorrem muito mais no início do ano, porém essa deve ser uma prática contínua, assim como a avaliação, pois a qualidade do ensino e da aprendizagem dos alunos depende desses dois processos.
O desafio é avaliar para planejar e planejar para intervir: portanto, embora nem sempre se compreendam as coisas desta maneira, a avaliação é sempre o ponto de partida para o planejamento contínuo de uma prática pedagógica que se pretende ajustada às necessidades e possibilidades de aprendizagem dos alunos. E não há prática pedagógica de qualidade quando não se considera o que podem os alunos e quando não se responde ao que eles precisam do ponto de vista da aprendizagem – são eles, afinal, os sujeitos a quem se destina a educação escolar. Isso significa que uma intervenção adequada (ou seja, uma ação ajustada a possibilidades e necessidades) só pode acontecer como resultado de um planejamento inteiramente apoiado na avaliação do que sabem ou não os alunos.
Esse processo pressupõe níveis diferenciados de planejamento, que aqui estão abordados em quatro tipos: anual, periódico, quinzenal ou semanal (da rotina) e diário.
 
Planejamento anual
É aquele em que são decididos os objetivos e conteúdos da série ou ciclo em cada área de conhecimento / componente curricular, assim como as formas de avaliação e acompanhamento pedagógico dos alunos durante o ano. É um trabalho que requer a discussão coletiva dos professores de forma a garantir o trabalho articulado na escola.
Planejamento periódico
Acontece durante o processo de trabalho, em períodos mais curtos do que o ano letivo (semestres, trimestres, bimestres). É nessa instância que habitualmente são detalhados os projetos e as sequências de atividades que darão sustentação ao trabalho pedagógico, compatibilizando as propostas previstas no planejamento anual e as que se mostram fundamentais a partir da avaliação das necessidades específicas de aprendizagem do grupo de alunos.
Planejamento da rotina
Também chamado de „organização do tempo pedagógico‟, esse tipo de planejamento, que pode ser quinzenal ou semanal, é destinado a detalhar ainda mais as propostas, considerando: a organização do espaço, a formação dos agrupamentos de alunos, a distribuição das atividades a serem realizadas durante o período, o material necessário para desenvolvê-las, a melhor forma de dar as orientações para realização das tarefas etc. A rotina pode ser parcialmente organizada em conjunto com os demais professores do mesmo ano/série, mas há uma parte que cabe ao professor que vai efetivamente trabalhar com sua turma.
Planejamento diário
Esse é o momento de detalhar o que ainda for necessário para a aula do dia. Ainda que seja de responsabilidade de cada professor, é fundamental que a escola garanta momentos de discussão dos alcances e limites do que é proposto e obtido em cada turma específica: a oportunidade de avaliar coletivamente o andamento do trabalho de cada um favorece a troca de informações e de experiências constituindo-se, assim, num importante espaço de construção do conhecimento pedagógico de todos.
 
 
 
O planejamento, como se pode ver, deve ser muito bem cuidado, mas deve ter um caráter flexível também. Tal como nos ensina Carlos Matus1 (1997), “planejar não deve se confundir com a definição normativa do deve ser, mas englobar o pode ser e a vontade de fazer”. Então, por que tanta ênfase na necessidade de planejamento se no final das contas é preciso flexibilizá-lo? Porque a ação pedagógica só é verdadeiramente pedagógica se for „ajustada‟ aos alunos reais a que se destina: às suas possibilidades e necessidades de aprendizagem, às suas hipóteses sobre os conteúdos, às suas estratégias pessoais para resolver os problemas colocados pelas atividades e daí por diante. É certo que o trabalho com os alunos deve sempre se orientar pelos objetivos estabelecidos anteriormente, para que se possam selecionar os conteúdos e as formas mais pertinentes para abordá-los, mas é certo também que a clareza a respeito desses objetivos (ou seja, das capacidades que se pretendem desenvolver) é o que torna possível reorientar o trabalho a partir da avaliação do que os alunos podem e precisam aprender. Os professores sempre dizem – e é verdade – que o tempo que as crianças passam na escola é muito curto para tudo o que se deve ensinar. Por isso, é importantíssimo utilizá-lo da melhor maneira possível, para que elas se ocupem com situações significativas, que favoreçam de fato a aprendizagem, e não com atividades que nada acrescentam por serem fáceis demais ou estão acima do que podem realizar. O uso racional do tempo é uma competência profissional da maior importância para os professores. Uma competência que começa de questionamentos básicos, mas necessários: Como são organizadas as horas que os alunos permanecem na escola? O que é possível aprender durante esse tempo (800 horas por ano, considerando um período de quatro horas por dia)? Como dar conta dos conteúdos previstos para o ano? Como organizar a prática pedagógica de forma a cumprir o planejamento e, ao mesmo tempo, atender às demandas dos alunos?
Assim, o tempo dedicado a cada componente curricular deve ser definido de forma muito criteriosa: é preciso garantir o trabalho com todas as áreas de conhecimento, considerar a natureza das propostas e distribuir o tempo de maneira justa. Às vezes, será necessário que as atividades sejam curtas para que os alunos não fiquem entediados e, às vezes, será necessário que se prolonguem porque demandam um tempo maior para a realização do que é solicitado. Essa dosagem tem a ver com o tipo de proposta, mas também com a capacidade de observação do professor: quando as crianças estão dispersas ou inquietas, geralmente é hora de parar...
 
A seguir, um exemplo de rotina para uma das semanas iniciais de aula em uma classe de 1º ano do Ciclo Inicial, como ilustração. O tempo destinado a todos os componentes curriculares está indicado, mas apenas as atividades de Língua Portuguesa e Matemática foram especificadas.
 
ROTINA SEMANAL
SEGUNDA-FEIRA
TERÇA-FEIRA
QUARTA-FEIRA
QUINTA-FEIRA
SEXTA-FEIRA
LÍNGUA PORTUGUESA
 
Atividade permanente: Leitura de um conto pelo professor
Atividade permanente semanal: Roda de conversa
Sequência de atividades: ‘Confabulando’ Atividade permanente de alfabetização: Leitura de uma lista para encontrar respostas para uma cruzadinha
LÍNGUA PORTUGUESA
 
Atividade permanente: Leitura de um poema pelo professor
Atividade permanente de alfabetização: Leitura de texto poético (que as crianças conhecem o conteúdo de cor)
LÍNGUA PORTUGUESA
 
Atividade permanente: Leitura de uma notícia pelo professor
Atividade permanente de alfabetização: Escrita de uma lista de brincadeiras preferidas
Projeto: Atividade relacionada a um projeto em andamento (por exemplo: discussão de como se organizam os textos de um determinado gênero predominante no projeto)
LÍNGUA PORTUGUESA
 
Atividade permanente: Leitura de uma fábula pelo professor
Atividade permanente de alfabetização: Leitura de adivinhas (‘O que é, o que é?’) e/ou de respostas
LÍNGUA PORTUGUESA
 
Atividade permanente: Leitura de um texto informativo (sobre um assunto estudado) pelo professor Atividade permanente semanal: Roda de leitura
Atividade permanente de alfabetização: Escrita de títulos de histórias conhecidas
ARTE
MATEMÁTICA
 
Sequência de atividades: Os números nas cantigas e brincadeiras infantis
MATEMÁTICA
 
Atividade permanente: Contagens de objetos de uma coleção e rodas de recitação numérica (contagens e sobre contagens)
MATEMÁTICA
 
Sequência de atividades: ‘Para que servem os números?’
EDUCAÇÃO FÍSICA
MATEMÁTICA
 
Projeto: ‘Os números da minha vida’ – Construção de fichas de dados pessoais, pequenas agendas de aniversários de parentes e amigos, telefones etc.
CIÊNCIAS/GEOGRAFIA
HISTÓRIA
MATEMÁTICA
 
Atividade permanente: Contagens de objetos de uma coleção e rodas de recitação numérica (contagens e sobre contagens)
CIÊNCIAS/GEOGRAFIA
 
EDUCAÇÃO FÍSICA
HISTÓRIA
ARTE
MATEMÁTICA
 
equência de atividades: localização no espaço da escola e representações












































Antes de você continuar a leitura, gostaria de fazer um breve comentário sobre a organização exemplificada acima pela professora Rosaura Soligo. É importante que você não considere esta organização como uma "receita". Ela é um recorte de uma semana, de uma escola, com uma rotina que não conhecemos. O exemplo é válido, mas queremos que você reflita sobre um planejamento de forma mais ampla. Por exemplo, nesta faixa etária de seis anos, é importante que as atividades diversificadas, assim como, a roda inicial de conversa para detalhamento da rotina, ou a roda de leitura de histórias, ocorram de maneira sistemática e diária. O que pode acontecer, como no exemplo acima, é determinar que, uma vez por semana, a roda de conversa seja específica para leitura de notícias, ou para comentar um outro assunto combinado por você professor, previamente com seus alunos. Mas para que a criança se familiarize com a rotina, com a conversa, com procedimentos como esperar sua vez para colocar uma ideia, ou ouvir o que seu colega tem a dizer, a roda de conversa precisa ser proposta diariamente.
Outro aspecto muito importante que preciso ressaltar, e que a autora também menciona em seu texto "Para organizar o trabalho do Ensino Fundamental", é o de que não estamos sugerindo uma ordem de acontecimentos.
Você professor que conhece sua escola, a rotina estabelecida e seu grupo de alunos, é que vai determinar tal organização: como os alunos chegam... com sono, ou bem dispostos? Como voltam do parque? Então, qual será o momento mais adequado para a realização da roda de conversa para rotina e combinados do dia? E para a realização dos "cantos" de atividades diversificadas? E a leitura de histórias: é melhor que ocorra depois do parque, ou próxima ao horário de saída? Enfim, perceba que o planejamento de sua rotina deve ser algo móvel, flexível e de acordo com a realidade vivenciada por você, seus colegas e seus alunos.
Por último, considere que, na organização acima não foram discriminados horários de lanche e parque (que também são diários).
Um abraço, Professora Denise Tonello
 
 
Esse é apenas um exemplo para dar uma ideia de como é possível distribuir as atividades na semana de trabalho. Há outras possibilidades de leitura do professor para as crianças, por exemplo: às vezes, é mais interessante ler um livro em capítulos ou um mesmo gênero textual durante toda a semana, por conta de outros objetivos que se tenham ou de determinados projetos que estejam em andamento. Outro aspecto importante a considerar é que, sendo esse tipo de rotina apropriado para o início do ano letivo de um 1º ano, as atividades permanentes de alfabetização têm a finalidade de familiarizar as crianças com os tipos de procedimento necessários para realizar as tarefas propostas, que são de „ler sem saber ler‟ e de „escrever sem saber escrever‟. Como se pode ver, se não houver um planejamento criterioso do tempo, com certeza a sensação será sempre de que „o dia não rendeu‟, pois são muitas coisas a fazer e, infelizmente, em nosso país, as crianças ainda permanecem poucas horas na escola... Na verdade, a organização do tempo é necessária para a aprendizagem não só dos alunos, mas também dos professores, em especial no que se refere à gestão de sala de aula. Essa é uma aprendizagem constante, pois a cada nova turma, novos desafios são colocados – o que se aprende sobre gestão de sala de aula em um ano nem sempre é transferível para o outro, pois cada turma é uma turma. Da mesma forma que não há como desenvolver um mesmo plano de ensino ano após ano, não é possível organizar rotinas de trabalho que sejam idênticas para todas as turmas. Nesse sentido, podemos afirmar que as rotinas, ainda que tenham estruturas parecidas, são sempre diferentes: cada uma deve ter um „toque‟ que evidencie as características do grupo específico para o qual foi elaborada e a história do trabalho realizado – uma história que é singular porque nunca se repete igualmente, por mais que se planeje o trabalho de modo semelhante. (...)


Rosaura Soligo (Brasil)
Formada em Pedagogia e Psicologia, Mestre em Educação pela UNICAMP, atualmente professora de cursos de especialização para professores alfabetizadores e coordenadora de projetos do Instituto Abaporu de Educação e Cultura, com trabalhos de assessoria a Secretarias de Educação em vários municípios do país. Experiência com alfabetização de crianças, formação continuada, documentação da prática profissional, produção de material pedagógico e vídeos educativos. Membro da equipe de idealizadoras do PROFA (Programa de Formação de Professores Alfabetizadores) e de sua equipe de coordenação nacional. Pesquisadora colaboradora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada (GEPEC), na Faculdade de Educação da UNICAMP. Co-organizadora do livro „Porque escrever é fazer história‟ (Ed. Alínea, 2007) junto com o Prof. Dr. Guilherme do Val Toledo Prado, e autora de vários artigos na área da educação.

 

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